Os medicamentos genéricos foram apresentados como a solução do SUS contra o capitalismo selvagem. As pessoas foram levadas a acreditar que os medicamentos de referência são mais caros apenas porque receberam um investimento em pesquisa e marketing, e porque geram lucros exorbitantes, enquanto os genéricos são baratos porque não precisam investir em pesquisa nem em marketing, e porque são bonzinhos a favor do SUS (e dos pobres e oprimidos). Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
Para um medicamento genérico ser colocado no mercado, ele precisa ser aprovado no teste de bioequivalência média. Não nos importa saber o que esse teste prova, mas interessa saber o que ele não prova. Ele não prova que o genérico é igual ao medicamento original. Existem 3 testes de bioequivalência: bioequivalência média, bioequivalência populacional, bioequivalência inidivual. Para que um medicamento seja igual ao outro, ele precisa ser aprovado nas três bioequivalências. Contudo, a ANVISA considera que comprovar bioequivalência média é suficiente para afirmar que o genérico é igual ao medicamento de referência. Essa é uma mentira que, de certa forma, é bem intencionada, mas ela provavelmente vai matar mais brasileiros do que salvar vidas.
Continuando... para um genérico ser colocado no mercado, ele precisa apenas comprovar a bioequivalência média. Essa comprovação é feita comparando-se um único lote do medicamento genérico e um único lote do medicamento de referência. Esse único lote do genérico pode ter sido muito bem escolhido para que o teste tivesse ótimos resultados (ou seja, pode ter sido uma fraude).
Depois que a ANVISA aprovou e liberou a venda de um medicamento genérico, ela basicamente confia que os próximos lotes serão iguais, confia que a fábrica vai continuamente colocar nas prateleiras um produto de qualidade. Teoricamente, a ANVISA faz inspeções sanitárias sistemáticas para garantir a qualidade da fábrica. Mas neste País, onde nem as polícias possuem funcionários e infra-estrutura mínimas, onde apagões têm ocorrido por sistemática falta de investimentos em energia elétrica, onde a maior empresa do país (Petrobrás) foi depenada pela atual Presidente da República, onde os Correios são um parque de diversões de políticos, podemos acreditar que a ANVISA vai fiscalizar fábricas de medicamentos?
A matéria-prima utilizada na fabricação dos medicamentos é outra grande fonte de problemas. Hoje em dia, grande parte das matérias-primas são compradas de países asiáticos, como China e Índia. O Brasil é famoso nesses países como grande comprador de matéria-prima de terceira categoria (para fazer medicamentos). A ANVISA por acaso verifica cada lote de matéria-prima importada? Não. Vou dar um exemplo: há pouco tempo (estamos em 2014), em uma cidade grande no norte do Paraná, muitas mulheres que tomaram o medicamento Tibolona de um lote manipulado por uma única farmácia da cidade, sofreram crise de hipertireoidismo. Foi descoberto que a matéria-prima (importada) utilizada pela farmácia estava contaminada com altas doses de liotironina (T3). A ANVISA não verificou este lote. Talvez ela verifique alguns lotes por amostragem, para dizer que fez alguma coisa, ou talvez nem verifique.
Agora vamos falar do preço: vamos tomar como exemplo o Diovan (valsartana). O Diovan tem hoje preço máximo de R$99,26 (na sua formulação 160mg com 28 comprimidos). Um dos seus genéricos, a valsartana da marca Germed, tem hoje preço máximo de R$33,07. Depois de ler o que escrevi sobre qualidade da matéria-prima, você ainda acredita que esta diferença de R$66,19 ocorre somente porque o Diovan teve pesquisa e marketing? Será que não existe também alguma diferença na qualidade da matéria-prima?
Você já ouviu falar de pessoas que trocaram um medicamento de referência por um medicamento genérico e o resultado foi diferente? Eu já. Todo cardiologista tem casos de pacientes que estavam tomando um medicamento (original) para hipertensão há um bom tempo, mudaram para um genérico, e imediatamente a pressão descompensou. Tenho uma amiga que está passando por isso no dia de hoje (ela trocou o Norvasc por besilato de anlodipino genérico há 2 dias, e hoje teve uma forte queda de pressão). Neste caso específico, o besilato de anlodipino genérico de 5mg obviamente não contém os mesmos 5mg do Norvasc. Mesmo que a ANVISA diga que são iguais.
Dependendo da diferença na dose real entre o medicamento original e o genérico, ou da diferença na dose real entre dois genéricos (supondo que o paciente mudou a marca do genérico para uma marca diferente para pagar o menor preço), o paciente poderia até morrer.
Mas será que sempre é perigoso usar medicamento genérico? Parece que não. Ainda não vi evidências de que tomar um paracetamol "capeta" (genérico) em vez de Tylenol traga algum perigo de vida. A não ser que, hipoteticamente, o lote de matéria-prima vinda da Ásia esteja contaminado com alguma porcaria.
Caro leitor, o medicamento genérico atualmente é uma questão controversa. Além de a ANVISA permitir, por seus próprios critérios, que os genéricos não sejam tecnicamente iguais aos medicamentos de referência (por motivos que mostrei), os genéricos ainda trazem o risco de utilizar matéria-prima de baixa qualidade a fim de ter preços baixos (dei o exemplo da valsartana).
Minha opinião: quando for uma questão de saúde mais séria (ex.: infecção por bactéria, pressão alta, diabetes, depressão, esquizofrenia), o médico deve começar o tratamento com um medicamento de referência. Se você sofre destes problemas de saúde, já toma um medicamento genérico há algum tempo, e seu problema está bem controlado desse jeito (ex.: pressão bem controlada, glicemia bem controlada). continue tomando o seu genérico e mantenha sempre a mesma marca. Já com os anticoncepcionais, eu jamais recomendaria usar genéricos (você gostaria de ficar grávida para depois descobrir que o genérico não era tão igual ao original assim?).
Quando é um problema de saúde bobinho (ex.: aquela velha e boa dorzinha de cabeça, aquela velha e boa rinite alérgica), eu uso medicamentos genéricos (paracetamol, dipirona, loratadina).
Pode ser que, no futuro, com mais conhecimento, mais confiança na ANVISA, e com a comprovação dos outros tipos de bioquivalência, tenhamos mais confiança nos genéricos. Antes disso, muito cuidado com a conversa fiada de quem depende do seu voto e do seu dinheiro: políticos, indústria farmacêutica e balconistas de farmácia (a margem de lucro da farmácia é maior ao vender genéricos). Eles sempre vão repetir que os genéricos são iguais aos medicamentos originais, porque precisam que você acredite nisso ("vote em mim porque eu consertei o SUS", "aqui nessa farmácia o seu dinheiro compra mais").
Nota 1: Você deve discutir com seu médico quais medicamentos são os melhores para você (mostre a ele este artigo). Não use medicamentos por conta própria.
Nota 2: Os medicamentos similares terão que comprovar sua bioequivalência média com os medicamentos de referência até o final de 2014. Traduzindo: no início de 2015, os medicamentos similares teoricamente estarão na mesma situação dos genéricos.
Editado: as pacientes foram intoxicadas por liotironina (não levotiroxina) - correção do Dr. Leandro Dihel.
Leonardo Vilela Pinheiro (leopinheiro@vilelapinheiro.com) é acadêmico de medicina na Universidade Estadual de Londrina
Excelente texto, meu amigo Leonardo. Um caso extremamente difícil, senão impossível, de controlar adequadamente com o uso de genéricos é o hipotireoidismo. Na prática, há uma grande diferença de potência entre as várias marcas comerciais de levotiroxina, e essa diferença é elevada ao cubo quando comparamos as marcas comerciais com os genéricos - e isso é um grande problema de saúde pública, já que a levotiroxina genérica está disponível nos postos de saúde, levando muitos pacientes a trocarem o remédio que sempre usaram e estava funcionando bem pelo genérico da UBS. Nenhuma surpresa que muitos pacienetes acabem apresentando descontroles horrorosos da função tireoidiana quando fazem essa migração. E uma pequena correção: era liotironina (T3) que as menopausadas estavam tomando ao ingerir supostas cápsulas (manipuladas) de tibolo a, e não levotiroxina (T4). O que nos leva a outro nó: a manipulação excessiva e indiscriminada de medicamentos, mas isso fica para outro post. Abraço
ResponderExcluirBom dia! Isso é um completo absurdo. Minha mãe tem pressão alta e tomava remédios genéricos corretamente. porem ha duas semanas a pressão está desregulada e os remédios não fazem efeito. Graças a Deus o medico dela enfim disse que o genérico só pode estar falsificado, pois não tem lógica. ela começou tomar o originais hoje. então vamos observar. É uma vergonha esse Brasil.
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