quinta-feira, 8 de maio de 2014

A dura verdade sobre os genéricos

Resumo: Os medicamentos genéricos são diferentes dos medicamentos de referência. Isso é ruim? Depende de cada caso.


Os medicamentos genéricos foram apresentados como a solução do SUS contra o capitalismo selvagem. As pessoas foram levadas a acreditar que os medicamentos de referência são mais caros apenas porque receberam um investimento em pesquisa e marketing, e porque geram lucros exorbitantes, enquanto os genéricos são baratos porque não precisam investir em pesquisa nem em marketing, e porque são bonzinhos a favor do SUS (e dos pobres e oprimidos). Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.

Para um medicamento genérico ser colocado no mercado, ele precisa ser aprovado no teste de bioequivalência média. Não nos importa saber o que esse teste prova, mas interessa saber o que ele não prova. Ele não prova que o genérico é igual ao medicamento original. Existem 3 testes de bioequivalência: bioequivalência média, bioequivalência populacional, bioequivalência inidivual. Para que um medicamento seja igual ao outro, ele precisa ser aprovado nas três bioequivalências. Contudo, a ANVISA considera que comprovar bioequivalência média é suficiente para afirmar que o genérico é igual ao medicamento de referência. Essa é uma mentira que, de certa forma, é bem intencionada, mas ela provavelmente vai matar mais brasileiros do que salvar vidas.

Continuando... para um genérico ser colocado no mercado, ele precisa apenas comprovar a bioequivalência média. Essa comprovação é feita comparando-se um único lote do medicamento genérico e um único lote do medicamento de referência. Esse único lote do genérico pode ter sido muito bem escolhido para que o teste tivesse ótimos resultados (ou seja, pode ter sido uma fraude).

Depois que a ANVISA aprovou e liberou a venda de um medicamento genérico, ela basicamente confia que os próximos lotes serão iguais, confia que a fábrica vai continuamente colocar nas prateleiras um produto de qualidade. Teoricamente, a ANVISA faz inspeções sanitárias sistemáticas para garantir a qualidade da fábrica. Mas neste País, onde nem as polícias possuem funcionários e infra-estrutura mínimas, onde apagões têm ocorrido por sistemática falta de investimentos em energia elétrica, onde a maior empresa do país (Petrobrás) foi depenada pela atual Presidente da República, onde os Correios são um parque de diversões de políticos, podemos acreditar que a ANVISA vai fiscalizar fábricas de medicamentos?

A matéria-prima utilizada na fabricação dos medicamentos é outra grande fonte de problemas. Hoje em dia, grande parte das matérias-primas são compradas de países asiáticos, como China e Índia. O Brasil é famoso nesses países como grande comprador de matéria-prima de terceira categoria (para fazer medicamentos). A ANVISA por acaso verifica cada lote de matéria-prima importada? Não. Vou dar um exemplo: há pouco tempo (estamos em 2014), em uma cidade grande no norte do Paraná, muitas mulheres que tomaram o medicamento Tibolona de um lote manipulado por uma única farmácia da cidade, sofreram crise de hipertireoidismo. Foi descoberto que a matéria-prima (importada) utilizada pela farmácia estava contaminada com altas doses de liotironina (T3). A ANVISA não verificou este lote. Talvez ela verifique alguns lotes por amostragem, para dizer que fez alguma coisa, ou talvez  nem verifique.

Agora vamos falar do preço: vamos tomar como exemplo o Diovan (valsartana). O Diovan tem hoje preço máximo de R$99,26 (na sua formulação 160mg com 28 comprimidos). Um dos seus genéricos, a valsartana da marca Germed, tem hoje preço máximo de R$33,07. Depois de ler o que escrevi sobre qualidade da matéria-prima, você ainda acredita que esta diferença de R$66,19 ocorre somente porque o Diovan teve pesquisa e marketing? Será que não existe também alguma diferença na qualidade da matéria-prima?

Você já ouviu falar de pessoas que trocaram um medicamento de referência por um medicamento genérico e o resultado foi diferente? Eu já. Todo cardiologista tem casos de pacientes que estavam tomando um medicamento (original) para hipertensão há um bom tempo, mudaram para um genérico, e imediatamente a pressão descompensou. Tenho uma amiga que está passando por isso no dia de hoje (ela trocou o Norvasc por besilato de anlodipino genérico há 2 dias, e hoje teve uma forte queda de pressão). Neste caso específico, o besilato de anlodipino genérico de 5mg obviamente não contém os mesmos 5mg do Norvasc. Mesmo que a ANVISA diga que são iguais.

Dependendo da diferença na dose real entre o medicamento original e o genérico, ou da diferença na dose real entre dois genéricos (supondo que o paciente mudou a marca do genérico para uma marca diferente para pagar o menor preço), o paciente poderia até morrer.

Mas será que sempre é perigoso usar medicamento genérico? Parece que não. Ainda não vi evidências de que tomar um paracetamol "capeta" (genérico) em vez de Tylenol traga algum perigo de vida. A não ser que, hipoteticamente, o lote de matéria-prima vinda da Ásia esteja contaminado com alguma porcaria.

Caro leitor, o medicamento genérico atualmente é uma questão controversa. Além de a ANVISA permitir, por seus próprios critérios, que os genéricos não sejam tecnicamente iguais aos medicamentos de referência (por motivos que mostrei), os genéricos ainda trazem o risco de utilizar matéria-prima de baixa qualidade a fim de ter preços baixos (dei o exemplo da valsartana).

Minha opinião: quando for uma questão de saúde mais séria (ex.: infecção por bactéria, pressão alta, diabetes, depressão, esquizofrenia), o médico deve começar o tratamento com um medicamento de referência. Se você sofre destes problemas de saúde, já toma um medicamento genérico há algum tempo, e seu problema está bem controlado desse jeito (ex.: pressão bem controlada, glicemia bem controlada). continue tomando o seu genérico e mantenha sempre a mesma marca. Já com os anticoncepcionais, eu jamais recomendaria usar genéricos (você gostaria de ficar grávida para depois descobrir que o genérico não era tão igual ao original assim?).

Quando é um problema de saúde bobinho (ex.: aquela velha e boa dorzinha de cabeça, aquela velha e boa rinite alérgica), eu uso medicamentos genéricos (paracetamol, dipirona, loratadina).

Pode ser que, no futuro, com mais conhecimento, mais confiança na ANVISA, e com a comprovação dos outros tipos de bioquivalência, tenhamos mais confiança nos genéricos. Antes disso, muito cuidado com a conversa fiada de quem depende do seu voto e do seu dinheiro: políticos, indústria farmacêutica e balconistas de farmácia (a margem de lucro da farmácia é maior ao vender genéricos). Eles sempre vão repetir que os genéricos são iguais aos medicamentos originais, porque precisam que você acredite nisso ("vote em mim porque eu consertei o SUS", "aqui nessa farmácia o seu dinheiro compra mais").

Nota 1: Você deve discutir com seu médico quais medicamentos são os melhores para você (mostre a ele este artigo). Não use medicamentos por conta própria. Faça dieta, faça exercícios regularmente, frequente uma religião tolerante, faça alguns bons amigos, faça meditação. Não pegue Sibutramina da sua amiga.

Nota 2: Os medicamentos similares terão que comprovar sua bioequivalência média com os medicamentos de referência até o final de 2014. Traduzindo: no início de 2015, os medicamentos similares teoricamente estarão na mesma situação dos genéricos.

Editado: as pacientes foram intoxicadas por liotironina (não levotiroxina) - correção do Dr. Leandro Dihel.

Leonardo Vilela Pinheiro (leopinheiro@vilelapinheiro.com) é acadêmico de medicina na Universidade Estadual de Londrina

2 comentários:

  1. Excelente texto, meu amigo Leonardo. Um caso extremamente difícil, senão impossível, de controlar adequadamente com o uso de genéricos é o hipotireoidismo. Na prática, há uma grande diferença de potência entre as várias marcas comerciais de levotiroxina, e essa diferença é elevada ao cubo quando comparamos as marcas comerciais com os genéricos - e isso é um grande problema de saúde pública, já que a levotiroxina genérica está disponível nos postos de saúde, levando muitos pacientes a trocarem o remédio que sempre usaram e estava funcionando bem pelo genérico da UBS. Nenhuma surpresa que muitos pacienetes acabem apresentando descontroles horrorosos da função tireoidiana quando fazem essa migração. E uma pequena correção: era liotironina (T3) que as menopausadas estavam tomando ao ingerir supostas cápsulas (manipuladas) de tibolo a, e não levotiroxina (T4). O que nos leva a outro nó: a manipulação excessiva e indiscriminada de medicamentos, mas isso fica para outro post. Abraço

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  2. Bom dia! Isso é um completo absurdo. Minha mãe tem pressão alta e tomava remédios genéricos corretamente. porem ha duas semanas a pressão está desregulada e os remédios não fazem efeito. Graças a Deus o medico dela enfim disse que o genérico só pode estar falsificado, pois não tem lógica. ela começou tomar o originais hoje. então vamos observar. É uma vergonha esse Brasil.

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